Uso a palavra para compor
meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no
chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das
águas.
Dou respeito às coisas
desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que
aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as
dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de
nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser
feliz por isso.
Meu quintal é maior do que
o mundo.
Sou um apanhador de
desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz
tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da
informática:
eu sou da invencionática.
Só
uso a palavra para compor os meus silêncios.
Manoel de Barros
O
apanhador de desperdícios
Memórias Inventadas, 2005
A soma de nossos dias (Maria Martins, 1954/55)
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