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jueves, 5 de febrero de 2015

DIARIO DE UN VIAJERO: Pantanal mato-grossense



Marzo de 2014

O Pantanal é a maior zona úmida do mundo. São 210.000 km2 de savana alagada repartidos entre o Brasil, o Paraguai e a Bolívia. Um pedaço enorme do planeta que não tem uma única cidade, terra de natureza indomável, de capivaras, jacarés e onças pintadas. Esse aqui é o relato da viagem mais selvagem que eu fiz.
Antes de ir para o Pantanal mato-grossense, a gente curtiu o carnaval em Cuaibá, uma cidade em obras por conta da Copa do Mundo de futebol. Minha nossa, que noite bacana. Chuva pra caramba, batucada, desfile de escolas de samba... Eletricidade.
No dia seguinte entramos ao Pantanal por Cáceres, perto da fronteira com a Bolívia. Seu Motta aguarda na beira do rio. Colocamos nossa equipagem no seu bote e começamos a nos adentrar nas águas. Na frente, um labirinto. O rio cinge a mata com seus milhares de braços, escondendo pequenos ilhotes, trilhas líquidas e horizontes vaporosos. A gente não acredita que Seu Motta esteja seguindo um roteiro.
No Pantanal moram mais de 650 espécies diferentes de aves. É uma pena me lembrar apenas dos nomes de algumas. O jaçanã, também chamado de cafezinho, um pássaro pequeno de corpo marrom e cabeça preta, que caminha sobre as grandes e flutuantes vitórias régias. Outros grandões, como o tachã, que fica vigilante em cima das árvores atento a qualquer sinal de perigo e lança gritos espavoridos quando nos vê chegar (porra, esse pássaro aí vai espantar os bichos todos). Eu gosto do martim pescador, acho bonito. E aí está também o elegante e sinistro tuiuiú, vestido de gala para presidir todas as aves que habitam nestas águas. Olha aí que esquisito, ficar de olho atrás dos pássaros do lado duma maritaca.
À noite, o Pantanal é um barulho mesmo. Milhões de insetos de todas classes batem suas asas, mexem suas patas e agitam seus corpos sob um céu cheio de estrelas bagunçadas. A gente sente-se um pequeno filho da Terra quando fica neste lugar. Dormimos num refúgio bem legal, pequenas rãs nas paredes, num rodízio de pernilongo. A comida aqui é uma delícia também pra nós. As donas da cozinha tem um dom para o tempero. Até a mandioca é um manjar quando é frita por elas. Barriga satisfeita e sono profundo. Beleza. A Carmen aqui gosta até de madrugar. Imagina.
Os dias nesta região do Pantanal são jornadas de longas horas no bote de Seu Motta. Ele é um nativo e fala a língua dos animais, que sempre sabe achar. Com ele vemos alguns grupos de macacos-pregos. Ficamos no barco, em silêncio, olhando-os saltar de um galho pra outro, os filhotes nas costas, pegando frutos e folhas dos árvores pra se alimentar. A Carmen não quer nem piscar para não se perder um detalhe, a emoção em seus olhos, o sorriso na boca.
Depois, no meio da nada, ou no meio de tudo, Seu Motta para o bote de novo. Então a gente vê pela vez primeira a pele escura, dura e preta do jacaré. Bicho imóvel, indolente, quase parece de borracha. O jacaré do Pantanal não é um animal perigoso, nem agressivo. Tem peixe de sobra para se saciar. Simplesmente, não fica interessado em brigar com os humanos.
À tarde a gente se encontra com alguns casais de pescadores. Não são turistas não, são pessoas humildes que moram aqui sem luxos nem confortos consumistas, que fazem parte da savana alagada. Conversamos de barco pra barco. Damos pra eles frutas e refrigerantes e mostram-nos suas capturas. Não tem pego muita coisa, porém dá pra fazer um caldinho de piranha, prato típico da culinária pantaneira.
Os pescadores não são as únicas pessoas que moram nestas terras inundadas. Seu Motta tem mais uma surpresa para nos mostrar, um ser primordial que vive além da sociedade. No dia seguinte a gente visita ao senhor do pântano, um ancião que mora sozinho num pedaço de terra ao que só pode se chegar de barco. O homem tem um aura mistura de misticismo e de sujeira. Em seus olhos amarelos pode-se achar um americano pré-colonial. Subsiste com guaraná e pinga e mata aos bichinhos da sua pele a golpe de farrapo, o rabo do boi espantando as moscas. Não se importa, entretanto, com as sanguessugas que nadam na água que bebe.
Ao entardecer o Pantanal é um espelho de prata, nossos sonos refletidos nas esteiras do bote.

A segunda etapa de nossa viagem começa em Poconé. Lá as águas são mais rasas e as possibilidades de se encontrar com animais selvagens são bem maiores. Percorremos um trecho da Transpantaneira de caminhão. A rodovia do Pantanal é uma trilha de terra e buraco, 147 km pra lugar nenhum. O caminhão passa por várias pontes de madeira meio arruinadas até chegar à nosso destino: a fazenda Pouso Alegre. É aqui que vamos ficar.
É aqui, também, onde a gente vê (por fim!) as simpáticas capivaras. O maior roedor do planeta mora em manadas ao longo da Transpantaneira, mordendo tudo, jogando no açude. Bichinho engraçado, endêmico da América do Sul. Vale a pena vir pra cá só pra lhe conhecer.
De tarde, ao sair do bangalô, a gente surpreende um casal de araras azuis. Pousadas numa árvore na frente de nosso quarto, lançam o vôo, majestosas, sublimes, quando nos ouvem. É um momento muito emocionante, pra se lembrar a vida toda. Vemos também, na fazenda mesmo, um tucano, um grupo de quatis e mais um de cinzas emas. É gostoso ver os animais em liberdade. O espírito brinca do corpo pra fora, se expande e faz-se infinito com a natureza.
Passeamos de cavalo e atravessamos açudes cheios de jacarés, a água pelos joelhos. Numa clareia, de longe, uma anta pasta. Depois, percorremos novamente os caminhos, a pé, de caminhão, de noite, ao amanhecer... vemos pacas, raposas e cervos do Pantanal, bois brancos de grandes corcovas, milhares de pássaros e milhões de insetos. 
Ainda fazemos mais uma expedição, pra uma fazenda vizinha. O motorista para porque uma jibóia corta o caminho. Tira-a fora com um pau e seguimos pra frente. Pegamos um barquinho à remo. Depois trepamos uma torre de madeira que sobe por cima das árvores, até tocar o céu. Ali em cima a gente tem 360º de verde e azul intensos. Essa aqui é a bandeira que eu acredito.

Voltamos a pé, descalços, barro quente entre os dedos. Pele tostada pelo sol e picada pelos bichos. Olhos brilhantes, reluzentes de ter visto tanta coisa maravilhosa. Coração bravo, batendo forte, selvagem e sedento de vida.

O jacarezinho do Pantanal

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